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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Abolição foi bem aceita pelos senhores de Tibagi

Mais de 70% da população local é de afrodescendentes

ESCRAVIDÃO

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Há 122 anos a princesa Isabel assinava a Lei Áurea, que garantia a liberdade de todos os escravos no Brasil. Neste 13 de maio, o Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Júnior traz na coluna Aconteceu! um pouco da história da escravidão em Tibagi, município que, segundo o IBGE, tem mais de 70% de sua população formada por afrodescendentes. Uma sala do Museu é toda dedicada à participação dos negros na formação da identidade cultural do município.
Neri Aparecido Assunção, diretor do Museu, relata que no livro de Edmundo e Alberto Mercer (História de Tibagi), alguns aspectos da escravidão são abordados. “Quando José Félix veio residir e tomar posse da Fazenda Fortaleza, no século 18, com ele vieram aproximadamente 100 escravos. Ele os mantinha em sua sede para trabalhar na lavoura”, conta, lembrando que Félix combatia os índios da região junto de seu compadre e capitão-do-mato Antonio Machado Ribeiro. “O Machadinho é que veio a ser o primeiro morador efetivo da cidade de Tibagi”, ressalta. Depois de ajudar no combate aos índios, Machadinho ganhou de seu compadre terras à margem esquerda do Rio Tibagi. “Ali, por volta de 1794, tomou posse e trouxe junto sua família e também alguns escravos”, completa. Primeiramente, os negros eram usados na lavoura, “mas mais tarde, com o boato de descobertas de diamantes no rio, Machadinho colocou seus escravos à procura de pedras preciosas”. Conta-se que negros que conseguiam passar mais tempo submersos eram mais valiosos. “Porque ainda se praticava o mergulho a fôlego para buscar pedras preciosas no fundo do rio”, segundo Neri.


Algumas décadas depois, os herdeiros de Machadinho, instalados com mineiros que vieram do Nordeste do Brasil, receberam a notícia da abolição da escravidão, em 1888. “Aqui repercutiu com muita alegria. Os fazendeiros e senhores de escravos de então cumpriram a Lei Áurea com toda presteza, libertando todos seus escravos”, relatam os historiadores Edmundo e Alberto Mercer.

O diretor do Museu realça que foi assim que Tibagi ganhou grandes e honestas famílias de negros. “Aqui se radicaram, se multiplicaram e trabalharam para o engrandecimento e progresso de sua terra”. Uma curiosidade interessante é que todos os escravos libertos adotaram como seus os nomes dos seus antigos senhores. “Assim, quase todos os descendentes de escravos de Tibagi conservam ainda a hoje sobrenomes como Taques, Bittencourt, Barbosa, Ribeiro, Machado, Novaes, Mercer e Santos, entre outros”, salienta.

Com a liberdade, famílias de escravos passaram a residir numa aérea de terra doada entre Tibagi e Castro, onde fundaram um povoado denominado São Damas ou São Damázio. Para Neri, a contribuição das famílias negras de Tibagi é valiosa até os dias de hoje. “Deixaram herança na culinária que passa por várias gerações, fundaram o Clube Estrela da Manhã e firmaram a identidade de Tibagi através das artes, esportes, música e costumes”.

Orgulho

Maria Aparecida Agostinho carrega na cor da pele o orgulho por fazer parte de uma das famílias que deram origem a Tibagi. “Minha bisavó era escrava numa fazenda da região, provavelmente na Fortaleza. Ela morreu com mais de 100 anos já em liberdade”, revela. Dona Prudência Ribeiro foi mãe solteira de Pedro Ribeiro, que nasceu em 1887, um ano antes da Lei Áurea, mas já assistido pela Lei do Ventre Livre. “Meu avô Pedro contava muitas histórias, principalmente do sofrimento que era aquele trabalho. Mesmo livre, ele não teve naquela época condições de estudar, foi calçar seu primeiro sapato quando precisou se apresentar no Exército”.

A descendente relembra os causos do avô sobre os desafios que aquele período de transição apresentavam a quem ganhara a liberdade mas ainda não podia usufruir de todos os direitos. “Ainda hoje acontece muito. As pessoas dizem que o preconceito acabou, mas minha filha, por ser negra, ainda vive situações assim, de um preconceito escondido. No entanto, hoje eu carrego um orgulho muito grande da minha cor, da história da minha família e sei da importância dos meus antepassados na nossa região”, desabafa Maria Aparecida.

A descendente de escravos diz que quando criança, com a curiosidade aguçada, perguntava aos avós por que não usavam alianças. “Porque o bispo emprestou um anel no dia do casamento, o mesmo que ele usava, e aquele era o símbolo da união dos dois. Não havia condições de comprar um par de alianças”. Ela exalta os fortes laços de união dos seus familiares em torno do patriarca. “Quando o vô era vivo, todos se reuniam na casa dele. A gente preservava muito a união da família”. Pedro Ribeiro morreu aos 94 anos, em 1981.

Clube Estrela da Manhã

Mesmo com o fim da escravidão, a presença dos negros ainda não era aceita em todos os ambientes coletivos. A professora de história e neta do escravo Guido Taques, Maria Olímpia Taques do Prado, conta que no início do século passado os afrodescendentes não podiam entrar nas festas dos 'brancos'. “Eles se reuniam nas casas uns dos outros, mas não podiam frequentar os mesmos lugares que todos. Foi então que em 1934 o senhor Antonio Ribeiro, o Zé Biné, fez uma reunião e tomou-se a decisão de criar o Clube Estrela da Manhã”.

O terreno doado, a menos de 50 metros do Clube Tibagiano, frequentado apenas pela sociedade rica, acabou recebendo uma obra que contou com o esforço dos negros de Tibagi. Foi construído o salão do Estrela da Manhã que por muitas décadas funcionou como local de entretenimento. “E os clubes eram frequentados por públicos bem distintos que somente se visitavam na última noite de Carnaval”, diz Maria Olímpia.

De acordo com a professora, muitos negros se sucederam na presidência do Estrela, movimentando a vida cultural da cidade. “Mas com o passar do tempo a estrutura foi se deteriorando e o clube acabou sendo desativado na última década. Agora estamos unindo esforços para reativá-lo”, completa.

A campanha em busca de recursos para a reconstrução do Estrela da Manhã iniciou ano passado com a participação de mais de 100 sócios que contribuem mensalmente. “Também fazemos bingos, feijoadas e várias ações para juntar dinheiro”, sublinha Olímpia

Abolição

Apesar da escravidão ser considerada “normal” do ponto de vista da maioria, havia no Brasil do século 17 aqueles que eram contra este tipo de abuso. Eram os abolicionistas, grupo formado por literatos, religiosos, políticos e pessoas do povo; contudo, a prática permaneceu por quase 300 anos. O principal fator que manteve a escravidão por um longo período foi o econômico. A economia do país contava somente com o trabalho escravo para realizar as tarefas da roça e outras tão pesados quanto estas. As providências para a libertação dos escravos deveriam ser tomadas lentamente.

A partir de 1870, a região Sul do Brasil passou a empregar assalariados brasileiros e imigrantes estrangeiros; no Norte, as usinas substituíram os primitivos engenhos, fato que permitiu a utilização de um número menor de escravos. Já nas principais cidades, era grande o desejo do surgimento de indústrias. Visando não causar prejuízo aos proprietários, o governo, pressionado pela Inglaterra, foi alcançando seus objetivos aos poucos. O primeiro passo foi dado em 1850, com a extinção do tráfico negreiro. Vinte anos mais tarde, foi declarada a Lei do Ventre-Livre (de 28 de setembro de 1871). Esta lei tornava livre os filhos de escravos que nascessem a partir de sua promulgação.

Em 1885, foi aprovada a lei Saraiva-Cotegipe ou dos Sexagenários que beneficiava os negros de mais de 65 anos. Foi em 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, que liberdade total finalmente foi alcançada pelos negros no Brasil. Esta lei, assinada pela Princesa Isabel, abolia de vez a escravidão no Brasil.

Museu
Em parceria com o Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Júnior, toda semana no site da Prefeitura de Tibagi (
www.tibagi.pr.gov.br) são postadas histórias, fatos e acontecimentos que marcaram época em Tibagi. Sobre este assunto, há imagens e documentos no acervo.

O Museu está aberto à visitação de segunda à sexta-feira, das 8h30 às 11h30 e das 13 horas às 17h30. Aos sábados e domingos, o acervo está à disposição das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 17 horas.

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