"Quase metade das reclamações (44%) está relacionada ao atendimento prestado por delegacias comuns; 26%, ao Serviço de Atendimento ao Cidadão – 190; e 17%, às Delegacias da Mulher."
O Ministério Público do Paraná, por meio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais, realizou levantamento das reclamações relativas ao Paraná registradas na Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180, no ano de 2010. Produzido com base em dados enviados mensalmente pela Central de Atendimento, o estudo sistematiza as informações por município, comarca e tipo de denúncia. A pesquisa tem como objetivo mapear e divulgar as demandas estaduais, e servir de subsídio às Promotorias de Justiça para medidas visando a melhorias na rede de enfrentamento à violência contra a mulher.
As reclamações registradas no ano passado chegaram ao número de 279, vindas de 86 municípios do Paraná. Quase metade das reclamações, 44%, foi com relação ao atendimento prestado por delegacias comuns; 26%, ao Serviço de Atendimento ao Cidadão – 190; e 17%, às Delegacias da Mulher. Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais, procurador de Justiça Alberto Vellozo Machado, o maior índice de reclamações sobre os órgãos não especializados reflete a necessidade de qualificação dos profissionais que atuam na área: “Entender as vulnerabilidades e as especificidades da matéria só é possível na medida em que as pessoas são qualificadas para aprender isso”.
Comparado aos demais municípios onde houve reclamação, Curitiba concentra mais de um quarto das denúncias, com 65 reclamações de mau atendimento. Foz do Iguaçu fica em segundo lugar, com 13; seguida de Ponta Grossa, com 12; Maringá com 11; Colombo, com 10; e Londrina e São José dos Pinhais, com 9 reclamações cada. Cerca de 40% das reclamações partiram da Região Metropolitana de Curitiba.
Reclamações freqüentes - Dos tipos de reclamações registradas pela Central de Atendimento, a omissão do Serviço de Atendimento ao Cidadão – 190 ocupa o primeiro lugar, com 74 denúncias. Diversos relatos descritos nas planilhas do Ligue 180 exemplificam o problema, especialmente sobre o desconhecimento da Lei Maria da Penha por parte dos profissionais, a falta de providências em relação ao agressor e a falta de comparecimento no local da violência. Em um dos casos, os policiais afirmaram que poderiam comparecer ao local somente em caso de assassinato da vítima. Outra afirmação, reflexo da falta de conhecimento da legislação, é de que a intervenção pode ser feita somente pela Delegacia da Mulher, com testemunhas e provas físicas da agressão, como hematomas e lesões.
A recusa do registro de Boletim de Ocorrência e a falta de providências a partir da notícia do fato estão entre os problemas mais recorrentes, com 59 e 50 casos, respectivamente. Tendo por base as observações registradas, o levantamento concluiu que um dos motivos para a falta de providências é a proximidade entre o acusado e os policiais. Em alguns casos, os profissionais se negaram a tomar qualquer iniciativa utilizando como argumento o fato de que o agressor é “conhecido e trabalhador”. Mesmo nas delegacias especializadas, a falta de resposta quanto à solicitação das medidas protetivas de urgência e o não comparecimento do agressor à delegacia são recorrentes.
A culpabilização da vítima também aparece como reclamação constante. Há relatos de situações em que a vítima é tratada com deboche, desconfiança e de forma agressiva por parte dos policiais. Em um dos casos, a ofendida informou ter sido humilhada e ameaçada por um sargento, que se recusou a registrar o Boletim de Ocorrência sob o argumento de que ela “não tinha decência e tinha que apanhar mesmo”.
“A dificuldade de acesso a um bom atendimento diz respeito à tentativa de preservação de valores sectários, de preconceito”, pondera Alberto Vellozo, que vê na determinação de novos regimes legais, combinado ao avanço na formação cultural das pessoas com relação à mulher, um caminho para melhorias no atendimento às vítimas de violência.
Melhoria no atendimento - A atuação do Centro de Apoio dos Direitos Constitucionais para buscar melhorias no atendimento às mulheres vítimas de violência tem início com o envio mensal dos dados do Ligue 180 aos setores responsáveis das Policias Civil e Militar, para averiguações e providências. Dependendo da gravidade ou urgência, encaminha-se imediatamente às Promotorias de Justiça da localidade de onde partiram as denúncias.
A partir da necessidade de conhecer toda a rede de atenção para a elaboração de um diagnóstico do assunto, desde 2010 o Centro de Apoio compõe a Rede Interinstitucional de Atenção à Mulher em Situação de Violência (RiaMulher) e integra seu Grupo de Trabalho Executivo. Entre as ações prioritárias da Rede estão a articulação para a assinatura do Pacto de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, a revitalização do Conselho Estadual da Mulher e ações de divulgação da RiaMulher.
Em uma destas reuniões, quando houve apresentação preliminar do levantamento em questão, verificou-se que o envio das informações aos setores responsáveis vem tendo efetividade, haja vista uma situação de melhoria de fluxo relatada pela delegada-titular da Delegacia da Mulher de Curitiba, Daniela Antunes Andrade. Entretanto, ela afirma que a intervenção nos casos de mau atendimento é feita com mais eficácia quando a denúncia traz informações completas, como a identificação do profissional e a data da ocorrência.
Outro fator importante no enfrentamento, segundo a delegada, é a articulação em torno da RiaMulher, por se tratar de um espaço que reúne mensalmente diversos órgãos públicos estaduais e municipais, instituições da sociedade civil e de classe, além de movimentos sociais e organizações feministas. O diálogo direto entre as partes envolvidas no enfrentamento da violência contra a mulher torna a Rede uma articulação estratégica e de apoio ao trabalho. “É um espaço essencial para que possamos conhecer a atuação de cada órgão, saber das atribuições para poder encaminhar as demandas ao lugar certo. Assim o processo se torna mais dinâmico e ágil”, avalia Daniela.
No âmbito do Ministério Público, o Centro de Apoio realizou reuniões com outros setores que desempenham ações pontuais ligadas à temática e ao asseguramento dos direitos nas relações de gênero, como o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminal, Promotoria de Justiça da Violência Doméstica e Familiar contra Mulher de Curitiba, e ainda com a Polícia Militar e a Corregedoria da Polícia Civil.
Sobre o Ligue 180 - A Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 é voltada especialmente às mulheres vítimas de violência, com atendimento sigiloso, 24 horas do dia, de segunda a domingo. O serviço funciona em âmbito nacional e de forma gratuita, por meio de uma parceria da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM) e as empresas Embratel, Eletronorte, Eletrobrás, Furnas e do Disque Denúncia do Rio de Janeiro.
Demanda antiga dos movimentos feministas e de organização que atuam no contexto de mulheres em situação de violência, o serviço cumpre a função de encaminhar os casos para os serviços especializados e de fornecer orientações sobre seus direitos legais e alternativas para que a mulher possa se proteger do agressor.
Dados divulgados no dia 3 de julho pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República revelam que, entre janeiro e julho deste ano, o Ligue 180 recebeu 15.436 denúncias sobre violência vindas de paranaenses. São Paulo ficou em primeiro lugar no ranking, com 47.107 denúncias, enquanto o Paraná ocupa a sexta posição entre as unidades da federação que mais registraram queixas na central. Em comparação com o mesmo período de 2010, o serviço 180 registrou alta de 112%, com 343.063 atendimentos em todo país neste ano.
Para Alberto Vellozo, é necessário que haja segurança para que a mulher vítima de violência possa fazer a reclamação, e para isso o serviço precisa ser receptivo. “Toda a organização de atendimento em torno da violência contra a mulher tem que dar também essa condição da pessoa fazer a reclamação. E nós temos que partir do pressuposto de que o local onde ela vai fazer a reclamação funciona, e em termos gerais é isso que o 180 também possibilita conferir”, afirma o procurador de Justiça.
Além da indicação dos limites da atuação no sistema de segurança pública, as informações apontadas no levantamento sobre as reclamações revelam a permanência de valores machistas nos diversos órgãos ligados ao enfrentamento da violência contra a mulher: “Os dados do Ligue 180 também servem como reflexão da eficiência desses serviços de atendimento, e mesmo como elementos para verificarmos como anda a mentalidade com relação à questão de gênero”, aponta Alberto Vellozo.
Assessoria de Comunicação MP-PR
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